Cargo de confiança dá direito a hora extra? Entenda a diferença entre gerente de verdade e “gerente no papel”
- Maria Noêmia Venâncio
- Jul 15
- 4 min read
Você ocupa um cargo de gerente ou diretor, trabalha até tarde, responde mensagens fora do expediente, participa de reuniões sem hora para acabar e nunca recebeu um centavo de hora extra? Atenção: essa situação pode ser ilegal.
No Direito do Trabalho, nem todo profissional com o título de “gerente” ou “diretor” pode ser enquadrado como cargo de confiança verdadeiro, aquele que está fora do controle de jornada e, por isso, não tem direito a horas extras. A legislação é clara, mas muitas empresas se aproveitam do nome do cargo para tentar driblar direitos trabalhistas.
Neste artigo, você vai entender:
O que a CLT diz sobre o cargo de confiança;
Qual a diferença entre o gerente com poder real de gestão e o gerente no papel;
O que a Justiça tem decidido nesses casos;
E como reunir provas para buscar os seus direitos.
Nem todo “gerente” é isento de jornada: o que diz a CLT
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 62, inciso II, prevê que empregados que exercem cargos de confiança não estão sujeitos ao controle de jornada, ou seja, não têm direito ao pagamento de horas extras.
Mas essa regra não se aplica automaticamente a todos que têm “gerente” ou “diretor” no crachá. O texto legal exige autonomia real, poder de mando e gestão efetiva. Caso esses elementos não estejam presentes na prática do dia a dia, o trabalhador continua protegido pela jornada de trabalho padrão e tem, sim, direito a horas extras.
A Justiça do Trabalho tem interpretado essa norma com bastante critério, exigindo provas concretas de que o empregado tinha de fato um cargo de confiança, e não apenas de nome.
Gerentão x Gerentinho: uma analogia que ajuda a entender
Para facilitar, vamos usar dois termos comuns em debates trabalhistas informais: o “gerentão” e o “gerentinho”.
O que é o “gerentão”?
É o verdadeiro gestor. Ele:
Tem poder para contratar e demitir;
Participa de decisões estratégicas da empresa;
Define metas e lidera com autonomia plena;
Geralmente responde diretamente aos proprietários ou à alta direção;
Não precisa cumprir horário fixo, pois seu foco está nos resultados globais.
Neste caso, se comprovadas essas características, ele realmente se enquadra no artigo 62 da CLT e não tem direito a hora extra.
E o que é o “gerentinho”?
É aquele profissional que:
Tem um cargo com nome bonito, mas na prática segue ordens;
Cumpre horário fixo, participa de escalas e precisa bater ponto;
Não tem poder de decisão relevante;
É cobrado por metas, mas sem autonomia real para determinar caminhos;
Não participa de decisões estratégicas.
Apesar do título, esse profissional não exerce um cargo de confiança verdadeiro. Portanto, tem direito ao controle de jornada e ao pagamento de horas extras.
A jurisprudência está do lado do trabalhador
Os tribunais trabalhistas têm decidido de forma consistente que o nome do cargo não basta. O que importa é a realidade da função desempenhada.
Diversas decisões reconhecem o direito ao pagamento de horas extras para:
Gerentes de agência bancária que não têm autonomia sobre contratações e demissões;
Supervisores e coordenadores que seguem determinações de níveis superiores;
Profissionais que mesmo com o título de direção, são subordinados a ordens fixas e metas inflexíveis.
Em outras palavras: a Justiça avalia a função real, e não o nome no crachá.
Como comprovar que você tem direito a horas extras?
Se você se identifica com o perfil de “gerente no papel”, mas sem autonomia verdadeira, fique atento aos passos a seguir:
1. Reúna provas da jornada de trabalho
Documentos como:
Relatórios de ponto;
E-mails ou mensagens de WhatsApp enviados fora do horário;
Relatórios de produtividade com prazos exaustivos;
Qualquer evidência de cobrança de metas ou tarefas em horários além da jornada comum.
Tudo isso ajuda a demonstrar que você, na prática, cumpre jornada e está sujeito a controle.
2. Verifique o conteúdo do seu contrato de trabalho
Muitos contratos simplesmente atribuem o título de “gerente” sem qualquer cláusula que indique poder de mando ou autonomia de gestão. Se o documento não prevê atribuições gerenciais concretas, isso reforça o seu direito.
3. Busque orientação jurídica com um advogado trabalhista
Cada caso tem suas particularidades. Um advogado especializado poderá:
Analisar documentos e provas;
Calcular valores devidos;
Entrar com ação para cobrar horas extras acumuladas ao longo dos anos, caso haja direito.
Em muitos casos, os valores podem ser altos, principalmente se o vínculo foi longo e houve trabalho sistemático fora do expediente.
Conclusão: título bonito não elimina direitos trabalhistas
Ser chamado de “gerente” ou “diretor” não significa, por si só, a perda do direito às horas extras. Para que isso aconteça legalmente, é necessário que o trabalhador tenha poder de decisão, autonomia de gestão e não esteja sujeito ao controle de jornada.
Caso contrário, a empresa está agindo de forma irregular, e você pode ter direito ao recebimento retroativo de todas as horas extras não pagas — com os devidos reflexos em férias, 13º salário, FGTS e outros direitos.
Não aceite o rótulo no crachá como desculpa para perder seus direitos. Informe-se, reúna provas e consulte um advogado trabalhista. O que está em jogo é o reconhecimento do seu tempo e do seu esforço.
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