Direito à gorjeta: entenda o que a lei diz sobre a taxa de serviço e o que fazer se o valor não está sendo repassado corretamente
- Maria Noêmia Venâncio
- Jul 29
- 4 min read
Você trabalha em restaurante, bar, hotel ou qualquer outro serviço de atendimento ao público e sente que a gorjeta paga pelo cliente nunca chega ao seu bolso? Já percebeu que a famosa “taxa de serviço” aparece na conta, mas não aparece no seu contracheque?
Infelizmente, essa é uma situação muito comum — e também ilegal em muitos casos.
O objetivo deste artigo é explicar, de forma clara e didática:
O que diz a Lei da Gorjeta (Lei nº 13.419/2017);
Quem tem direito a receber a gorjeta;
Em que casos a empresa pode reter parte do valor;
Como agir se você não está recebendo corretamente esse valor;
E quais são os reflexos da gorjeta na sua remuneração total.
Se você é garçom, garçonete, atendente, recepcionista ou trabalha com atendimento direto ao público, continue lendo — essas informações podem representar valores significativos no seu contracheque ou até mesmo em uma ação judicial.
A taxa de serviço é gorjeta — e pertence ao trabalhador
A taxa de serviço que normalmente aparece no fim da conta, comumente identificada como os “10%”, é sim considerada gorjeta. E esse valor pertence ao trabalhador, e não à empresa.
Essa gorjeta pode ser paga de diferentes formas:
Inclusa automaticamente na conta do cliente;
Inserida como valor opcional, com autorização prévia do consumidor;
Entregue separadamente, em dinheiro ou por maquininha de cartão específica.
Independentemente da forma de pagamento ou do percentual cobrado (que pode ser 10%, 15% ou outro valor), o dinheiro que o cliente paga a título de gorjeta é do trabalhador, e não pode ser apropriado pela empresa, exceto em situações muito específicas.
O que diz a Lei da Gorjeta (Lei nº 13.419/2017)
A Lei nº 13.419/2017, conhecida como Lei da Gorjeta, trouxe mais segurança jurídica para o setor de bares, restaurantes, hotéis e similares, e definiu regras claras sobre o repasse da gorjeta aos trabalhadores. Veja os principais pontos:
A gorjeta não pertence à empresa
Ela deve ser repassada ao empregado que realizou o atendimento ao cliente, exceto nas hipóteses previstas em convenção ou acordo coletivo.
Retenção pela empresa: só em casos específicos
A empresa pode reter uma parte do valor da gorjeta, mas apenas nos seguintes casos:
Empresas optantes do Simples Nacional: podem reter até 20% da gorjeta recebida;
Empresas no Lucro Real ou Presumido: a retenção pode chegar a até 33%;
🔔 Mas atenção: essa retenção só é permitida se houver previsão expressa em convenção ou acordo coletivo de trabalho. Se não houver essa previsão, a regra é clara: 100% da gorjeta deve ser repassada ao trabalhador.
Divisão da gorjeta entre os setores: quando é legal?
Em alguns estabelecimentos, a gorjeta recebida é dividida com cozinheiros, equipe da limpeza, segurança, ou outros setores de apoio.
Essa prática pode ser legal, desde que prevista em norma coletiva. Caso contrário, a gorjeta deve ser destinada exclusivamente ao trabalhador que prestou o atendimento direto ao cliente.
Se a empresa realiza essa divisão sem base legal, o valor pode ser questionado judicialmente.
A gorjeta deve ser registrada na carteira e no contracheque
Outro ponto essencial: a gorjeta faz parte da sua remuneração. Ela deve constar no seu contracheque e ser registrada na sua carteira de trabalho, quando for habitual.
E por que isso é tão importante?
Porque, ao ser incorporada à remuneração, a gorjeta:
Entra no cálculo do 13º salário;
Integra o valor das férias + 1/3 constitucional;
Compõe a base de cálculo do FGTS e do INSS;
Impacta o valor da rescisão em caso de demissão;
Aumenta o valor do aviso prévio proporcional;
Influencia no valor da aposentadoria futura;
E deve ser considerada no cálculo de horas extras.
Ou seja, quando a empresa não registra a gorjeta como parte do salário, o prejuízo vai muito além do valor não repassado — atinge todos os seus direitos trabalhistas futuros.
A empresa não repassa a gorjeta? Saiba o que fazer
Se você suspeita que a gorjeta está sendo desviada, mal administrada ou não aparece corretamente nos seus pagamentos, é essencial reunir provas e buscar orientação.
Dicas práticas:
// Guarde notas fiscais e comprovantes de pagamento da taxa de serviço — isso ajuda a provar que o valor foi cobrado do cliente.
// Registre mensagens, comunicados internos e orientações da empresa sobre a gorjeta — qualquer indício de que o valor está sendo dividido ou retido irregularmente é útil.
// Anote a média mensal de gorjetas que você recebia — esse valor poderá servir de base para cálculo em uma eventual ação judicial.
// Converse com colegas — relatos de outros funcionários fortalecem sua argumentação.
// Procure um advogado trabalhista — apenas um profissional qualificado poderá analisar sua situação, verificar se houve irregularidades e entrar com ação para cobrar os valores devidos com todos os reflexos legais.
Conclusão: a gorjeta é parte do seu salário — e a empresa não pode se apropriar desse valor
A gorjeta não é um presente do cliente, nem uma bonificação opcional. Ela é parte da remuneração do trabalhador e, como tal, tem proteção legal.
Se o cliente pagou, o dinheiro é seu. A empresa não pode reter esse valor arbitrariamente nem decidir sozinha como usá-lo.
Conhecer seus direitos é o primeiro passo para se proteger de abusos e garantir que todo o seu esforço seja devidamente reconhecido. Se você trabalha em bares, restaurantes, hotéis ou similares e está desconfiado de que a gorjeta não está sendo tratada corretamente, não se cale. Busque orientação. Você pode recuperar o que é seu por direito.
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